sexta-feira, 12 de abril de 2019

O nosso “criar”


Quase nunca falamos sobre sensibilidade, percepção, criatividade, imaginação, né? A resenha de hoje tenta resumir tudo isso (com adaptações ao blog). Como falei, a partir do Mestrado em Comunicação e Indústria Criativa, estamos produzindo resenhas. Algumas, vou compartilhar aqui. Esta também foi produzida na disciplina de Linguagem, Comunicação e Indústria Criativa.



A resenha dos dois primeiros capítulos do livro Criatividade e Processos de Criação, de Fayga Ostrower, uma artista plástica que nasceu na Polônia, vai tratar do Potencial (ser consciente-sensível-cultural, memória, associações, falar, simbolizar, formas simbólicas e ordenações interiores, potencial criador e tensão psíquica) e Materialidade e Imaginação Criativa (imaginação específica, materialidade, linguagem, elaboração, ampliação do imaginar, propostas culturais, confins do possível e formar e transformar).


POTENCIAL:
Criar é, basicamente, formar. “Nessa busca de ordenações e de significados reside a profunda motivação humana de criar”. O homem cria porque precisa, não simplesmente porque gosta ou quer. Apesar disso, a autora refere que os processos de criação ocorrem no âmbito da intuição. Com certeza, o livro apresenta uma inferência pertinente quanto aos seres humanos: “a percepção de si mesmo dentro do agir é um aspecto relevante que distingue a criatividade humana”. Isso afeta o nosso mundo, a nossa cultura e nós (os homens). Foi assim que o homem passou a pensar em soluções para problemas e o melhor: aflorou a capacidade de antever certos problemas. “Daí podermos falar da intencionalidade da ação humana”, diz Fayga.


No capítulo primeiro, ela traz tópicos que se relacionam aos comportamentos criativos do homem ou que são essenciais no processo criador, vejamos: 1) SER CONSCIENTE-SENSÍVEL-CULTURAL é estar movido por algo mais utilitário, sem abrir mão do estético. “Não há, para o ser humano, um desenvolvimento biológico que possa ocorrer independente do cultural”. 2) SER SENSÍVEL, tratando, no texto, a sensibilidade como patrimônio de todo ser humano. A sensibilidade seria o inconsciente somada à percepção de mundo. “Ela chega de modo articulado, isto é, chega em formas organizadas. É a nossa percepção”. 3) SER CULTURAL, onde o que é transmitido é a experiência que se gera. 4) SER CONSCIENTE: ao tornar-se consciente de sua existência individual, o homem também conscientiza-se de sua existência social. 5) MEMÓRIA: ao homem, torna-se possível interligar o ontem ao amanhã. 6) ASSOCIAÇÕES:  compõe a essência de nosso mundo imaginativo. Evocamos experiências anteriores com todo um sentimento de vida. “As associações nos levam para o mundo da fantasia”. 7) FALAR/SIMBOLIZAR, tratando que grande parte das associações liga-se à fala (mesmo que silenciosa). “Assim, cada um de nós pensa e imagina dentro dos termos de sua língua, isto é, dentro das propostas de sua cultura”. Importante destacar a questão do signo e símbolo (signo, uma palavra, exemplo, uma mão, símbolo, um rapaz pedindo a mão da namorada em casamento). 8) FORMAS SIMBÓLICAS E ORDENAÇÕES INTERIORES, ou seja, mesmo que a fala seja de maior importância, as palavras não são a única forma de comunicar conteúdos nem são elas o único modo de comunicação simbólica. “Se a fala representa um modo de ordenar, o comportamento também é ordenação”.

Os dois e últimos itens (9 e 10), são o POTENCIAL CRIADOR e a TENSÃO PSÍQUICA. Para a autora o potencial criador é um fenômeno de ordem mais geral, menos específica do que os processos de criação através dos quais o potencial se realiza. Cíclico, o potencial criador é construção e destruição, ou seja, tudo o que num dado momento se ordena, afasta por aquele momento o resto do acontecer. O potencial criador surge a partir do ser sensível- cultural-consciente do homem e se faz presente em múltiplos caminhos de nossas realidades vividas. Salutar saber que ele nunca se esgota, tem sempre possibilidades de ampliação. Por fim, a tensão psíquica, é a responsável por nos reabastecer  nos próprios processos. “O conflito é condição de crescimento”. Para Fayga, criar representa uma intensificação do viver. O ser humano em momento de criação articula-se em níveis de consciência mais elevados e mais complexos. Relacionamos aqui Florida (2011) o qual fala sobre o éthos criativo.

Não é de se espantar que o éthos criativo seja tão distinto do éthos conformista do passado. Muitas vezes, o trabalho criativo é claramente subversivo, pois abala modelos mentais e padrões de vida correntes. Mesmo ao criador ele pode parecer subversivo e perturbador. De acordo com uma famosa definição de criatividade, este é o “processo de destruir uma gestalt em prol de outra melhor”. Para o economista Joseph Schumpter, “o constante vendaval de destruição criativa” era a essência do capitalismo (FLORIDA, 2011, p.31).  



MATERIALIDADE E IMAGINAÇÃO CRIATIVA:

O homem, segundo Fayga, elabora seu potencial criador através do trabalho. O trabalho é visto como processo criativo. Para ela, a arte ficaria “morta”, se os artistas não pudessem encarar o fazer artístico como trabalho. É um fazer intencional necessário, ampliando em nós a capacidade de viver e garantindo produtos para a sociedade. Referimos Lipovetsky; Serroy (2015): “O capitalismo artista é esse sistema que produz em grande escala bens e serviços com fins comerciais, mas impregnados de um componente estético emocional que utiliza a criatividade artística tendo em vista a estimulação do consumo mercantil e do divertimento de massa”.


Fayga pontua, em seu livro, os seguintes tópicos: 1) IMAGINAÇÃO ESPECÍFICA, quando a imaginação criativa pode vincular-se à especificidade de uma matéria em cada campo de trabalho. Para a autora, o pensar só poderá tornar-se imaginativo através da concretização de uma matéria, sem o que não passaria de um “divagar descompromissado”, definiu. 2) MATERIALIDADE/LINGUAGEM: remetendo a tudo que está sendo formado e transformado. “A materialidade não é, portanto, um fato meramente físico mesmo quando sua matéria o é”. 3) ELABORAÇÃO, sendo uma forma importante de ordenar simbolicamente para o pensamento imaginativo. “Daí não se conclui que a linguagem em si seja subjetiva. Ela é objetivada como ordenação essencial de uma materialidade”. 4) AMPLIAÇÃO DO IMAGINAR, como necessário para ampliar a criatividade. É preciso distanciar-se das nossas especialidades. 5) PROPOSTAS CULTURAIS, indicando certas possibilidades do contexto cultural. 6) CONFINS DO POSSÍVEL, sendo a materialidade a matéria com suas qualificações e seus compromissos culturais. “Não são confins fixos nem permanentes. Contudo, constituem a cada momento o ponto de referência para a criação”. 7) FORMAR E TRANSFORMAR: soa redundante, mas Fayga é clara em dizer que formar é transformar.



ANÁLISE CRÍTICA E CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Fayga usa seu olhar de artista para escrever a obra. Mas, não possui uma linguagem extremamente poética e surrealista quanto à arte, a criação e o mercado. Ao contrário, estabelece relações que permitem vislumbrarmos o processo que compreende desde a criação até a comercialização. Situa o leitor no contexto da criação de forma geral de maneira sucinta e de fácil leitura, pondo-nos a refletir e partir para algumas problematizações:
a) A sensibilidade é um patrimônio de todos os seres humanos e a percepção é a elaboração mental das sensações;
b) O homem é capaz de conceber os componentes de uma experiência (isso nos torna especiais);
c) O conflito é importante e a criatividade pode ser tratada como algo “exercitável”;
d) O ato criador abrange a nossa capacidade de compreender, tendo o fator cultural como cenário;
e) Enquanto ser criativo, integrado às Indústrias Criativas, como nosso processo criativo está situado? Atende o estético, o funcional?


Lendo Fayga é possível reforçar aquela célebre e clichê frase de que o trabalho dignifica o homem (na verdade, pode ser, “o trabalho significa o homem”). Acredita-se então, que estar ligado às possibilidades específicas da matéria permite sim alcançar bons resultados na profissão, porém, ficar centrado exclusivamente nas especificidades que constroem nosso dia a dia, pode ocasionar um esvaziamento no sentido da criatividade. Este ponto seria um dos fundamentais da leitura, que, de certa forma, mais preocupa. Na comunicação, por exemplo, a autora fez um parêntese para dizer que “se transformou em meros meios sem fins, sem finalidades outras do que comerciais”.


Na leitura, é impossível não estar, a todo o momento, relacionando a criatividade com a inovação em nossos processos/produtos, a partir da premissa de que a inovação é a externalização da criatividade. Com nossos PDI’s, transformaremos realidades, resolveremos problemas, e isso tudo advém de um momento criador que foi sendo moldado e aperfeiçoado.


Recomenda-se ler Fayga, assim como conhecer a sua história e além disso, acreditar em uma arte que é o resultado do que somos, diante da realidade em que vivemos. Fayga foi pintora, desenhista, ilustradora, teórica da arte e professora. Ela chegou ao Rio de Janeiro em 1934. Cursou Artes Gráficas na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Nasceu em 1920 em Lodz (Polônia) e faleceu no Rio de Janeiro em 2001. Como estudiosa da arte, passa conceitos que corroboram a arte como processo delicado, que contempla etapas invisíveis para muitas pessoas, por outro lado, faz-nos apaixonar pelo tema, por tratá-lo com simplicidade, leveza e noções práticas, mostrando que sim, mesmo sendo artista, é preciso estar ancorado na realidade.


Texto resenhado: 
OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. 21ª Ed.- Petrópolis, Vozes, 2007. 


Referências:

Instituto Fayga Ostrower. Disponível em https://faygaostrower.org.br/a-artista/biografia-resumida. Acesso em 08 de abril de 2019.

FLORIDA, Richard. A Ascenção da Classe Criativa. Porto Alegre: L&PM, 2011.

LIPOVETSKY, G. & SERROY, J. A estetização do mundo. Viver na era do capitalismo artista. São Paulo: Companhia das letras, 2015.







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